Em 26 de outubro de
2011, a Presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.513 que instituiu, em
âmbito nacional, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego –
Pronatec para atender, segundo anúncios, uma demanda de 8 milhões de
trabalhadores até 2014, sendo o contingente de recurso destinado para isso da
ordem de 24 bilhões de reais. Frente a esses números/metas, várias questões
emergem sobre o real sentido desse programa na atual conjuntura vivida pelo
Brasil.
Para iniciar esse
debate, faremos um resgate histórico do caminho que a Educação Profissional vem
percorrendo nas últimas décadas até desaguar, em 2012, no Pronatec. Em 1997, o
Governo Fernando Henrique Cardoso institui a reforma da Educação Profissional
por meio do Decreto n.º 2.208, de 17 de abril de 1997, que regulamenta o § 2.º
do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei n.º 9.394/96. A partir desse Decreto
estabelecem-se os níveis adquiridos por essa modalidade de ensino:
Art. 3.º A Educação Profissional
compreende os seguintes níveis:
I - básico: destinado à qualificação,
requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade
prévia;
II - técnico: destinado a proporcionar
habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio,
devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto;
III - tecnológico: correspondente a
cursos de nível superior na área tecnológica, destinados aos egressos do ensino
médio e técnico. (BRASIL, 1997).
Em nosso entendimento
e também no de alguns especialistas da Educação Profissional, o Decreto
nº 2.208/97 contribuiu para aprofundamento da dualidade entre os trabalhadores
que “pensam” e os trabalhadores que “fazem”, em outras palavras, os
trabalhadores que recebem uma formação para o pensar e os que recebem uma
formação rápida para execução de tarefas específicas e para o atendimento ao
mercado de empregos, ao melhor estilo “fordista”. Formação profissional
desvinculada da Educação Básica, condicionando o trabalhador a uma formação
restrita que não considera a formação integral do sujeito, a qual integra
pensar e fazer, ciência e tecnologia.
Avançando
nesta proposta, em 2004, já no Governo Luíz Inácio Lula da Silva é instituído o
Decreto n.º 5.154, de 23 de julho de 2004, que regulamenta o § 2.º do art. 36 e
os artigos 39 a 41 da Lei n.º 9.394/96 e revoga o então vigente Decreto n.º
2.208/97. Com este novo Decreto, no artigo 4.º, abre-se uma nova possibilidade
de oferta de Educação Profissional integrada à Educação Básica, item não
contemplado pelo Decreto n.º 2.208/97:
Art. 4o [...] § 1o articulação entre a
Educação Profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de
forma:
I - integrada, oferecida
somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado
de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio,
na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno;
II - concomitante oferecida somente a
quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio,
na qual a complementaridade entre a Educação Profissional técnica de nível
médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada
curso [...]
III - subseqüente, oferecida somente a
quem já tenha concluído o ensino médio (BRASIL, 2004). (grifos nossos)
Democraticamente e
atendendo às necessidades educacionais do nosso País, não se eliminam as demais
formas instituídas pelo Decreto anterior – a subsequente e a concomitante –,
porém abre-se a possibilidade para a integração que, até então, não está
contemplada e é a almejada para os que ainda estão no ensino fundamental, sejam
eles do ensino médio regular ou da educação de jovens e adultos. A
formação integrada reafirma um posicionamento do governo brasileiro de garantir
a todo(a) trabalhador(a) a formação profissional com elevação de escolaridade,
numa dimensão técnica e científica. O pensar e fazer juntos, na contramão da
dualidade aprofundada pelo Decreto nº 2.208/97.
Ancorados no Decreto
nº 5.154/04, muitas ações estabelecem-se ao longo dos oito anos de Governo
Lula: é contemplado no Fundo Nacional de Financiamento da Educação
Básica-FUNDEB recursos para “[...] XIII - ensino médio integrado à educação
profissional; [...]XVII - educação de jovens e adultos integrada à educação
profissional de nível médio, com avaliação no processo”; é inserida na Proposta
do Plano Nacional de Educação a Meta 10 “Oferecer no mínimo 25% das vagas da
Educação de Jovens e Adultos na integrada à educação profissional nos anos
finais do ensino fundamental e no ensino médio”; é instituído o Decreto n.º
5.840, de 13 de julho de 2006, que estabelece em âmbito federal, o Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja); dentre outras ações.
Em síntese, nas duas
gestões do Presidente Lula, no âmbito da Educação Profissional houve uma posição
clara pela oferta de uma educação profissional integrada à educação básica, não
desmerecendo o debate do governo anterior, mas fazendo-o avançar. Posição essa de
suma importância para o enfrentamento dos dados alarmantes da educação
brasileira que ainda hoje, conforme PNAD (2009), revelam um contigente de 65
milhões de brasileiros, com quinze anos ou mais, que não possuem o Ensino
Fundamental completo.
Em 2011, Dilma
Rousseff chega à presidência do País. No que tange à Educação Profissional e
Tecnológica é instituído como marco normativo o Pronatec, Lei nº
12.513/11, o qual tem como um dos seus objetivos: Art. 1º […] I – expandir,
interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional técnica
de nível médio presencial e a distância e de cursos e programas de formação
inicial e continuada ou qualificação profissional”.
Nesse programa é de
se espantar, porém, que a dimensão integrada, que foi uma conquista histórica
da sociedade brasileira, não tenha sido ao menos citada na Lei do Pronatec. Isso, em nosso
ponto de vista, é um retrocesso aos tempos ainda do Decreto nº 2.208/97,
instituído pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Enquanto o Decreto nº
5154/04 vinha na direção de contemplar as formas concomitante, subsequente e integrada,
com o Pronatec a forma integrada é omitida. Por quê? Quais as razões que
motivaram isso? A que tipo de interesse essa omissão atende? Por que há
esse retrocesso no fomento à perspectiva da integração que historicamente vinha
sendo construída? Retrocedemos?
Reafirmamos nesse
documento a defesa da formação profissional integrada como fundamental no
desenvolvimento social e econômico do Brasil. Desenvolvimento econômico, sim!
Desvinculado do desenvolvimento social, não! Formação profissional, sim!
Desvinculada da escolarização básica, não! O não enfrentamento dessa
questão, embasada nas necessidades quantitativas de mão-de-obra qualificada
para atender as demandas do mercado de emprego, aprofunda uma das raízes dos
problemas sociais brasileiros: a desigualdade social. Não podemos, ao pensar a
formação profissional do trabalhador, pensá-la pelo viés puramente econômico.
Se as políticas públicas de educação profissional, como o Pronatec, não
avançarem nesse debate, estaremos, mais uma vez, ignorando uma das maiores
dívidas educacionais do Brasil em que milhões de trabalhadores não possuem a
escolarização básica. Realizar a integração da educação profissional e
da educação básica é um direito do trabalhador brasileiro, uma necessidade
premente e atual, uma conquista histórica e uma construção tardia na qual não
devemos aceitar qualquer retrocesso.
Que as vozes não se calem, pois essa é a nossa esperança. Que possamos lutar pelos que estão sendo silenciados.
ResponderExcluir"Verás que um filho teu não foge à luta"
Um amigo leu o texto e pontuou que o Pronatec tem muita semelhança com o Planfor - Plano Nacional de Formação Profissional (1996-2002).
ResponderExcluirExatamente Luís. Os erros se repetem...dinheiro indo pelo ralo novamente.
ExcluirTalvez seja um retorno ainda maior: a década de 30, do século passado, isto é, no dito estado novo? de Vargas). (...) um retorno da educação sem unidade de plano, sem integralidade dos aspectos e das questões do homem.... Tudo isso mascarado pelo discurso de escola integral(fundada no tempo de permanência na escola e/ou em outro canto qualquer público, desestruturado) e ensino de nove anos (sem estabelecer condições mínimas de mudanças estruturais, sobretudo no campo político-pedagógico).
ResponderExcluirAssim caminha a educação brasileira, ancorada pela qualidade anabolizada do IDEB.