23/04/2014

PRONATEC: o que fica com os "FIC”?

Em 2012, o Movimento de Valorização e Articulação dos Trabalhadores em Educação do MEC (Movate) elaborou o texto “Pronatec: retorno a década de 1990?” (clique aqui), refletindo sobre o retrocesso político que estava sendo realizado com a implantação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do Ministério da Educação. Retrocesso esse que atribuímos ao aligeiramento que a política de integração da Educação Profissional com a Educação Básica – em franco desenvolvimento a partir da promulgação do Decreto nº 5.154/2004 – sofreu com a chegada desse novo Programa.
Naquele momento, o Pronatec estava ainda no início de sua implementação e textos como o nosso poderiam ser taxados como juízos apressados. Contudo, considerando os dados hoje disponíveis, temos condições de reafirmar nosso posicionamento e de aprofundar algumas das reflexões esboçadas em 2012, apesar de ainda estarmos na contramão dos discursos oficiais acerca do Programa.  
No caso específico do Pronatec, está sendo divulgado pelo MEC que foram criadas cerca de 5 a 6 milhões de vagas em Educação Profissional. Observando mais atentamente esses números, percebemos que esses milhões de vagas anunciadas, se forem reais, não chegam com o Pronatec, Lei nº 12.513 de 26 de outubro de 2011, mas são estabelecidas por políticas anteriores que já vinham sendo desenvolvidas pelo MEC, a saber: Programa Brasil Profissionalizado (2007), Rede E-Tec (2007), Acordo de Gratuidade do Sistema S (2008) e Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (2003).  
Embora tudo que foi produzido até agora esteja sendo denominado de Pronatec, o que chega efetivamente com esse programa é a denominada “Bolsa Formação”, que hoje possui, segundo dados do Sistec/MEC/2013, um quantitativo bruto de pré-matrícula e matrícula de cerca de 2.121.464. Sendo que cerca de 1.900.000 (um milhão e novecentas mil) são de matrículas em cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) e apenas cerca de 200.000 (duzentas mil) matrículas em Cursos Técnicos.
Os FIC são cursos com, no mínimo, 160 horas de duração. Já os Cursos Técnicos, possuem uma carga horária variando de 800h a 1200h. Outra diferença importante é que os Cursos Técnicos, obrigatoriamente, são ofertados articulados ao Ensino Médio (concomitantes ou integrados) ou subsequentes (após a conclusão do Ensino Médio), já os cursos FIC, legalmente, não possuem vinculação com a Educação Básica. Clique aqui para ler um artigo interessante a este respeito
Um ponto a considerar é que, ao compararmos o quantitativo de FIC e Técnicos, percebemos que há uma opção deliberada das instituições ofertantes do Pronatec em realizar cursos “rápidos”, cerca de 1.900.000 (um milhão e novecentas mil matrículas), contrariando, inclusive, o foco do Programa, que, como o próprio nome indica, é o Ensino Técnico: “Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego”.
Vale salientar ainda que a “Bolsa Formação” do Pronatec é um recurso pago às instituições ofertantes de cursos de qualificação profissional ou técnico. E, desde a implantação do programa, as principais instituições ofertantes são as do “Sistema S” (Sesi, Senai, Senac, Senat, Senar). Mais recentemente, entram também em cena as faculdades privadas. Em relação a esse item, vale lembrar que, diferente do que ocorre no Ensino Superior, em que o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), possui alguns marcos regulatórios para a avaliação, regulação, credenciamento e descredenciamento de cursos, na educação profissional, a ausência desses marcos poderá dar margem a todo tipo e qualidade de curso.
O valor hora/aula/aluno do programa, para cursos FIC e Técnicos, tem sido em torno de, no mínimo, R$ 10,00. Tentando traduzir o significado disso, para um curso FIC de 160 horas, com 30 vagas, a uma hora/aula/aluno de R$ 10,00, as instituições ofertantes recebem um valor de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais) . Multiplicando esse valor pelo 1.900.000 vagas de cursos FIC ofertados, chegamos a um montante bilionário de recursos, os quais são repassados, em sua maior parte, ao “Sistema S”. Somente em 2014, conforme Portaria nº 2, de 29 de janeiro de 2014, o Sistema S já recebeu um total de recursos financeiros de R$ 899.956.460,00 (oitocentos e noventa e nove milhões, novecentos e cinquenta e seis mil, quatrocentos e sessenta reais).
Segundo dados do próprio Sistec/MEC, a oferta de cursos no âmbito da “Bolsa Formação” do Pronatec está assim distribuída: 80% ofertada pelo “Sistema S”, 15% pela Rede Federal de EPT e 5% pelos Estados/DF. Até esse momento, o “Sistema S”, tem ficado com a maior parcela dos recursos.
Diante dessa predominância da oferta do “Sistema S”, o Movimento de Valorização e Articulação dos Trabalhadores em Educação do MEC (Movate) questionou o Ministério acerca da relação existente entre a “Bolsa Formação” do Pronatec e o Acordo de Gratuidade com os Serviços Nacionais de Aprendizagem. Esse acordo, estabelecido em 2008 pelo MEC, tinha como objetivo cobrar vagas públicas em cursos de Educação Profissional (FIC e Técnicos) do “Sistema S” pelos recursos públicos que ele já recebia. Naquele momento, o MEC reconhecia o “Sistema S” como um ente em dívida com os(as) trabalhadores(as) brasileiros(as), o qual precisava dar um retorno mais efetivo a este público alvo, considerando os recursos públicos que lhe eram destinados. Em 2011, indo de encontro a essa disposição inicial, o MEC amplia ainda mais o repasse de recursos públicos ao “Sistema S”.
Tentando entender essa situação, em 17 de setembro de 2013, o Movate solicitou ao Ministério da Educação, por meio da Lei de Acesso a Informações, esclarecimentos a respeito da relação do Acordo de Gratuidade com os Serviços Nacionais de Aprendizagem e a “Bolsa Formação” do Pronatec ( clique aqui). Após a interposição de vários recursos, o Movate conseguiu a seguinte resposta: “O MEC alega não ter as informações solicitadas seja porque está fora de sua competência ou porque simplesmente os dados não foram produzidos ainda”. A justificativa do MEC é preocupante e demonstra a falta de acompanhamento, quantitativo e qualitativo, de repasses de recursos bilionários.
Além das questões pontuadas, é importante salientar que os cursos do Pronatec têm sido lecionados por uma nova categoria profissional denominada bolsistas, pessoas contratadas por edital público para atuação eventual nos cursos, destituída de qualquer vinculo empregatício. Essa situação tem atendido ao imediatismo do Programa, porém aprofunda uma cultura de precarização e fragmentação da oferta de cursos da área de Educação Profissional e Tecnológica.
Ao falarmos de Pronatec, temos que ter consciência dessas questões e entender que o nível de flexibilidade política, orçamentária e pedagógica que vem pautando esse programa tem atendido, sobretudo, aos interesses privatistas da educação brasileira.
É ilusório acreditarmos que os cursos FIC, cursos rápidos, de baixa complexidade tecnológica, desvinculados da elevação de escolaridade, possam alavancar o desenvolvimento do País e a melhoria das condições de vida da população. O que ele perpetua é a lógica de manutenção de um sistema em que os trabalhadores e trabalhadoras continuam recebendo uma formação rasa, para execução de tarefas rudimentares, ao melhor estilo “fordista”.

7 comentários:

  1. Qual foi a base de dados utilizada para o grafico? Qual a fonte? Sem isso é difícil acreditar nas conclusoes.

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    1. Prezado Erick, boa noite. No próprio texto há a resposta para sua dúvida. Dê uma olhada no quarto parágrafo. Verá que informamos que os dados apresentados são do Sistec/MEC/2013". O Sistec é o Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação. Caso ainda esteja com dúvidas em relação aos números contidos no texto, solicito que peça essa informação diretamente ao MEC. Att, Movate

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    2. Parabéns a equipe do Movate pela real análise do PRONATEC vces comprovaram por A + B a real análise do PRONATEC.

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  2. Caro pessoal do MOVE

    Meu nome é Fábio Galvão. Sou jornalista e edito o portal CGC Educação, especializado em notícias de educação. Envie uma mensagem via movate@gmail.com, mas ainda tive resposta. Vocês receberam? Estou querendo tirar algums dúvidas sobre o Pronatec

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    1. Olá Fábio Galvão,

      estamos à disposição para contribuir com suas questões.

      Não havíamos recebido suas perguntas ainda.

      Quais são suas dúvidas?

      Att,

      Movate

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    2. Obrigado pelo retorno.

      Minhas dúvidas são:



      O MEC diz que investiu R$ 14 bilhões no Pronatec. Vocês confirmam? Sabem o montante de recursos que o Pronatec já repassou para o setor privado desde 2011?


      Vocês dizem que os cursos FIC não possuem vinculação com a legislação da educação básica. Mas eles tem base legal, certo? Qual? É a própria lei do Pronatec?


      Por favor, explique melhor esta questão do Bolsa Formação. Pelo site do Pronatec, o Bolsa Formação é uma das iniciativas do Pronatec e não a reunião do Programa Brasil Profissionalizado (2007), Rede E-Tec (2007), Acordo de Gratuidade do Sistema S (2008) e Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (2003)? O MEC está chamando tudo de Pronatec? É possível calcular quantos estão matriculados em cada programa?

      É possível uma boa formação com cursos de 160 horas?

      Explique melhor o estilo fordista.

      Quem fala pelo Movate? Ou vocês preferem o anonimato?


      Obrigado
      Fábio Galvão

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  3. Olhem o que saiu na Folha dia 19/10/2014
    http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/10/1534748-auditoria-aponta-descontrole-em-vitrine-de-dilma.shtml

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