22/05/2012

PRONATEC: retorno à década de 90?

Em 26 de outubro de 2011, a Presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.513 que instituiu, em âmbito nacional, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec para atender, segundo anúncios, uma demanda de 8 milhões de trabalhadores até 2014, sendo o contingente de recurso destinado para isso da ordem de 24 bilhões de reais. Frente a esses números/metas, várias questões emergem sobre o real sentido desse programa na atual conjuntura vivida pelo Brasil.
Para iniciar esse debate, faremos um resgate histórico do caminho que a Educação Profissional vem percorrendo nas últimas décadas até desaguar, em 2012, no Pronatec. Em 1997, o Governo Fernando Henrique Cardoso institui a reforma da Educação Profissional por meio do Decreto n.º 2.208, de 17 de abril de 1997, que regulamenta o § 2.º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei n.º 9.394/96. A partir desse Decreto estabelecem-se os níveis adquiridos por essa modalidade de ensino:
Art. 3.º A Educação Profissional compreende os seguintes níveis:
I - básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; 
II - técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; 
III - tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados aos egressos do ensino médio e técnico. (BRASIL, 1997).
Em nosso entendimento e também no de alguns especialistas da Educação Profissional, o Decreto nº 2.208/97 contribuiu para aprofundamento da dualidade entre os trabalhadores que “pensam” e os trabalhadores que “fazem”, em outras palavras, os trabalhadores que recebem uma formação para o pensar e os que recebem uma formação rápida para execução de tarefas específicas e para o atendimento ao mercado de empregos, ao melhor estilo “fordista”. Formação profissional desvinculada da Educação Básica, condicionando o trabalhador a uma formação restrita que não considera a formação integral do sujeito, a qual integra pensar e fazer, ciência e tecnologia. 
Avançando nesta proposta, em 2004, já no Governo Luíz Inácio Lula da Silva é instituído o Decreto n.º 5.154, de 23 de julho de 2004, que regulamenta o § 2.º do art. 36 e os artigos 39 a 41 da Lei n.º 9.394/96 e revoga o então vigente Decreto n.º 2.208/97. Com este novo Decreto, no artigo 4.º, abre-se uma nova possibilidade de oferta de Educação Profissional integrada à Educação Básica, item não contemplado pelo Decreto n.º 2.208/97:
Art. 4o [...] § 1o articulação entre a Educação Profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma: 
I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno;
II - concomitante oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a Educação Profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso [...] 
III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio (BRASIL, 2004). (grifos nossos)
Democraticamente e atendendo às necessidades educacionais do nosso País, não se eliminam as demais formas instituídas pelo Decreto anterior – a subsequente e a concomitante –, porém abre-se a possibilidade para a integração que, até então, não está contemplada e é a almejada para os que ainda estão no ensino fundamental, sejam eles do ensino médio regular ou da educação de jovens e adultos. A formação integrada reafirma um posicionamento do governo brasileiro de garantir a todo(a) trabalhador(a) a formação profissional com elevação de escolaridade, numa dimensão técnica e científica. O pensar e fazer juntos, na contramão da dualidade aprofundada pelo Decreto nº 2.208/97.
Ancorados no Decreto nº 5.154/04, muitas ações estabelecem-se ao longo dos oito anos de Governo Lula: é contemplado no Fundo Nacional de Financiamento da Educação Básica-FUNDEB recursos para “[...] XIII - ensino médio integrado à educação profissional; [...]XVII - educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo”; é inserida na Proposta do Plano Nacional de Educação a Meta 10 “Oferecer no mínimo 25% das vagas da Educação de Jovens e Adultos na integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio”; é instituído o Decreto n.º 5.840, de 13 de julho de 2006, que estabelece em âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja); dentre outras ações.
Em síntese, nas duas gestões do Presidente Lula, no âmbito da Educação Profissional houve uma posição clara pela oferta de uma educação profissional integrada à educação básica, não desmerecendo o debate do governo anterior, mas fazendo-o avançar. Posição essa de suma importância para o enfrentamento dos dados alarmantes da educação brasileira que ainda hoje, conforme PNAD (2009), revelam um contigente de 65 milhões de brasileiros, com quinze anos ou mais, que não possuem o Ensino Fundamental completo. 
Em 2011, Dilma Rousseff chega à presidência do País. No que tange à Educação Profissional e Tecnológica é instituído como marco normativo o Pronatec, Lei nº 12.513/11, o qual tem como um dos seus objetivos: Art. 1º […] I – expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional técnica de nível médio presencial e a distância e de cursos e programas de formação inicial e continuada ou qualificação profissional”.
Nesse programa é de se espantar, porém, que a dimensão integrada, que foi uma conquista histórica da sociedade brasileira, não tenha sido ao menos citada na Lei do Pronatec. Isso, em nosso ponto de vista, é um retrocesso aos tempos ainda do Decreto nº 2.208/97, instituído pelo Governo Fernando Henrique Cardoso. Enquanto o Decreto nº 5154/04 vinha na direção de contemplar as formas concomitante, subsequente e integrada, com o Pronatec a forma integrada é omitida. Por quê? Quais as razões que motivaram isso? A que tipo de interesse essa omissão atende? Por que há esse retrocesso no fomento à perspectiva da integração que historicamente vinha sendo construída? Retrocedemos? 

Reafirmamos nesse documento a defesa da formação profissional integrada como fundamental no desenvolvimento social e econômico do Brasil. Desenvolvimento econômico, sim! Desvinculado do desenvolvimento social, não! Formação profissional, sim! Desvinculada da escolarização básica, não! O não enfrentamento dessa questão, embasada nas necessidades quantitativas de mão-de-obra qualificada para atender as demandas do mercado de emprego, aprofunda uma das raízes dos problemas sociais brasileiros: a desigualdade social. Não podemos, ao pensar a formação profissional do trabalhador, pensá-la pelo viés puramente econômico. Se as políticas públicas de educação profissional, como o Pronatec, não avançarem nesse debate, estaremos, mais uma vez, ignorando uma das maiores dívidas educacionais do Brasil em que milhões de trabalhadores não possuem a escolarização básica. Realizar a integração da educação profissional e da educação básica é um direito do trabalhador brasileiro, uma necessidade premente e atual, uma conquista histórica e uma construção tardia na qual não devemos aceitar qualquer retrocesso.

4 comentários:

  1. Que as vozes não se calem, pois essa é a nossa esperança. Que possamos lutar pelos que estão sendo silenciados.
    "Verás que um filho teu não foge à luta"

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  2. Um amigo leu o texto e pontuou que o Pronatec tem muita semelhança com o Planfor - Plano Nacional de Formação Profissional (1996-2002).

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    1. Exatamente Luís. Os erros se repetem...dinheiro indo pelo ralo novamente.

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  3. Talvez seja um retorno ainda maior: a década de 30, do século passado, isto é, no dito estado novo? de Vargas). (...) um retorno da educação sem unidade de plano, sem integralidade dos aspectos e das questões do homem.... Tudo isso mascarado pelo discurso de escola integral(fundada no tempo de permanência na escola e/ou em outro canto qualquer público, desestruturado) e ensino de nove anos (sem estabelecer condições mínimas de mudanças estruturais, sobretudo no campo político-pedagógico).

    Assim caminha a educação brasileira, ancorada pela qualidade anabolizada do IDEB.

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