16/06/2011

PNE em debate

Desafios para o novo Plano Nacional de Educação
Ivan Valente - Deputado Federal
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,
A tramitação nesta Casa do Projeto de Lei 8035/2010, a proposta do novo Plano Nacional de Educação, de autoria do Poder Executivo, coloca na ordem do dia uma discussão que é estratégica para o futuro do Brasil: qual será a prioridade e o modelo para a educação pública nacional para os próximos dez anos.
No centro desse debate, aparecem duas questões que há mais de duas décadas pautam as disputas em torno das políticas educacionais: a disputa entre a garantia do direito à educação pública e a atuação de instituições privadas; e a necessidade de financiamento que possa alavancar um avanço na qualidade da educação nacional.
A primeira questão se apresenta de forma contundente na proposta apresentada pelo Governo Dilma, nas metas e estratégias que apontam os modelos escolhidos para a expansão do atendimento nos diversos níveis e modalidades de ensino.
Um dos maiores problemas, no que diz respeito ao acesso à educação, está localizado na oferta de educação infantil, particularmente no atendimento de crianças de 0 a 3 anos em creches, e também no grande número de jovens que não conseguem concluir o ensino médio e tampouco tem acesso a uma formação profissional. Nos dois casos, a solução apontada pela proposta do governo é a expansão da oferta através do setor privado.
Além de propor um aprofundamento da política de bolsas para o ensino superior, o governo agora tenta transpor o modelo do PROUNI para a educação infantil, incentivando o atendimento através de instituições conveniadas, e para o ensino médio, com o chamado PRONATEC.
Essa é uma opção que vai na contramão das deliberações da Conferência Nacional de Educação e que ignora os graves problemas na qualidade das instituições que mais se beneficiam do PROUNI. A CONAE apontou claramente que a expansão da oferta deveria ocorrer por meio de instituições públicas – prevendo, inclusive, o fim dos convênios na Educação Infantil. Nesse ponto, defenderemos mudanças na proposta que determinem que a expansão da educação se dê por meio da oferta em instituições públicas, em especial na educação infantil e no ensino superior.
No caso do ensino técnico profissionalizante, a opção pelo modelo de bolsas em instituições privadas é contraditória com a própria política desenvolvida pelo MEC nos últimos oito anos, em que houve uma expansão real das Escolas Técnicas Federais, que mantém um trabalho de qualidade reconhecidamente superior aquela ofertada por instituições privadas. É uma aposta que só atende aos interesses mercantis das instituições privadas, que podem ocupar milhares de vagas ociosas.
As diversas propostas que abrem caminho para a destinação de recursos públicos para as instituições do Sistema S, que pertencem a federações e associações do setor privado, também vão no sentido inverso das deliberações da CONAE, que reafirmou reivindicações históricas de que os recursos públicos sejam destinados para a educação pública.
Na questão do financiamento da educação, as propostas apresentadas no PL 8035/10 mostram que existe pouca disposição por parte do governo em enfrentar os graves problemas da educação brasileira. A prioridade da educação parece ficar apenas no discurso. Ao propor que até 2020 o país aplique 7% do PIB na educação, o governo não aponta que novos recursos serão destinados ao setor. Essa meta deveria ter sido alcançada em 2010, pelo que estava previsto no PNE aprovado em 2001, e depois vetado por FHC, e que já naquela época era inferior ao que os estudos e pesquisas apontavam como necessário o desenvolvimento da educação brasileira.
A prioridade é muito clara: mais de 40% do orçamento da União é destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto para a educação se aponta um crescimento de 0,2% ao ano. Trata-se de um crescimento vegetativo, provocado pelo próprio desenvolvimento econômico, igual ao que já vem ocorrendo ao longo dos últimos 10 anos. Além disso, o PL8035/10 não deixa claras as fontes de novos recursos para a educação, deixando ainda mais patente a aposta na expansão pela privatização da educação.
Se, de fato, queremos priorizar a educação, é primordial que se aprove a destinação de 10% do PIB para a educação no prazo mais curto possível, mantendo esse patamar por pelo menos uma década, única maneira de viabilizar as demais metas do plano.
O governo ignorou solenemente uma das contribuições mais significativas da CONAE, a definição do Custo-Aluno-Qualidade como um parâmetro essencial para a garantia da destinação dos recursos necessários para a oferta de ensino com as condições mínimas de qualidade.
Outro aspecto preocupante na proposta, e que está diretamente ligado ao problema do financiamento e também à mercantilização da educação, é o incentivo à expansão dos cursos à distância. São várias as estratégias apresentadas no PL8035/10 que deixam explícita a possibilidade de atendimento na modalidade à distância, quando a reivindicação dos movimentos organizados, e também a decisão da CONAE, era de que a fosse impedido o uso do ensino à distância como formação inicial, e de que houvesse um controle rigoroso sobre a oferta, e principalmente a qualidade, desses cursos. Mais uma vez é a opção que prima por deixar mais espaço para o setor privado, num modelo que exige menos investimento e que é de difícil fiscalização.
No que diz respeito à qualidade da educação o projeto apresentado foca apenas o desempenho dos estudantes em exames centralizados, num claro reducionismo do conceito de qualidade e uma descaracterização dos instrumentos de avaliação institucional da educação. A proposta reforça a postura tomada pelo governo FHC, e continuada pelo governo Lula, que preferiu organizar um Sistema Nacional de Avaliação, como elemento central da política educacional, ao invés de construir um Sistema Nacional de Educação.
A centralidade nesse sistema de avaliação está na idéia de que os exames e rankings comparativos provocam uma competição que gera uma suposta melhora na qualidade, numa lógica transposta diretamente do setor empresarial para a educação. Dessa forma, o Estado atua apenas como indutor das mudanças, formatando as instituições educacionais através do que é exigido pelos exames, deixando toda a responsabilidade pela superação das dificuldades nas costas das instituições e dos profissionais.
As avaliações e exames deveriam ser instrumentos de coleta de informações que auxiliassem no planejamento das políticas educacionais e no trabalho cotidiano das escolas e não instrumentos de controle vinculados a premiações e punições.
Quando o MEC propõe que resultados do IDEB sejam colocados como metas para um plano decenal, ele está desvirtuando o uso desse instrumento e, principalmente, reforçando uma lógica que aposta na competição como forma de superação dos problemas. As estratégias deixam isso claro, quando apontam a ligação entre o desempenho no IDEB e o repasse de recursos e materiais, além de apontar que serão utilizados como indutores de mudanças curriculares, ferindo a autonomia didático-pedagógica das escolas.
Por outro lado, nada apontam para questões que realmente afetam a qualidade da educação, como o número de alunos por turma, as condições de trabalho, os profissionais de apoio, os recursos materiais disponíveis, entre outros.
A valorização dos profissionais, que aparece como uma meta, é um avanço, mas muito tímido. Apresenta estratégias muito vagas e que muitas vezes focam apenas nos profissionais docentes. Podemos ter ganhos maiores se o PNE estabelecer parâmetros mais claros para os Planos de Carreira, para a constituição das jornadas de trabalho, para políticas de formação e aperfeiçoamento mais consistentes.
Portanto, ainda que o PL 8035/10 traga, pontualmente, algumas metas e estratégias que representam avanços nas condições atuais e em relação ao plano anterior, de maneira geral não apresenta uma proposta estratégica para a educação nacional, baseada na discussão com a sociedade, como um plano de Estado. Ao contrário, tenta formalizar no plano decenal os projetos e programas que são deste governo. Transforma programas como o Prouni, IDEB, PAR em programas de Estado, impondo assim uma visão hegemônica para o conjunto da sociedade sobre quais devem ser os rumos da educação. É uma proposta que abre mão do princípio da educação como um direito de todos e todas e que deixa amplos espaços para a mercantilização do ensino.
Por isso, é fundamental que quem historicamente defende a escola pública, gratuita e de qualidade participe ativamente das discussões e pressione pela aprovação de mudanças no PL 8035/10. Mudanças estas que possam torná-lo um instrumento para que o país avance na qualidade da educação pública, contribuindo assim para o desenvolvimento do país e superação das desigualdades sociais.

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